domingo, 23 de março de 2008

Um terço dos alunos da 4ª série tem nível da 1ª

Um terço dos estudantes de 4ª série sabe o equivalente a um aluno da 1ª
Ministério da Educação elabora parâmetros inéditos para dizer o que se deve esperar da criança em cada fase escolar

Um terço das crianças brasileiras matriculadas na 4ª série do ensino fundamental não sabe nem sequer o que deveriam ter aprendido ao final do 1º ano de escola. A conclusão, desta vez, é oficial, e parte de um estudo ainda inédito preparado pelo Instituto de Estatísticas e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado ao Ministério da Educação, e obtido com exclusividade pelo Estado. Pela primeira vez, o ministério criou parâmetros para dizer objetivamente o que um aluno deve saber em cada nível de escolaridade. A conclusão é que as crianças vão à escola, mas isso está longe de significar que estão aprendendo.

A base do estudo são os resultados da chamada Provinha Brasil, a primeira avaliação de alfabetização feita no País, que começa a ser repassada para os Estados neste mês. Para poder dizer a cada Secretaria de Educação se seus alunos sabem o que deveriam saber ao final da alfabetização, foi criada uma escala com cinco níveis.

O quarto nível, em que um estudante deve ser capaz de ler textos curtos com vocabulário comum na escola, foi considerado pelo Inep como o ideal para um menino de, normalmente, 8 anos que esteja terminando a 1ª série primária - ou o 2º ano, na nova metodologia do ensino fundamental de nove anos.

A comparação dessa escala com a do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) - a avaliação da 4ª e 8ª séries do fundamental e 3º ano do ensino médio, feita a cada dois anos - mostra que esse quarto nível corresponde de forma muito aproximada à pontuação de 125 a 150.

Porém, na 4ª série (ou, agora, o 5º ano do fundamental), um terço dos estudantes brasileiros avaliados em 2005 não passou desse nível. Se forem consideradas apenas as escolas públicas - descontadas as federais, que costumam puxar as notas para cima -, esse índice ainda fica um pouco pior: 33,3%. Nas redes municipais chega a 35%.

São crianças terminando a 4ª série, prestes a entrar em um mundo escolar ainda mais complexo, e que não conseguem entender o enunciado de uma questão ou mesmo uma historinha mais longa. E essa realidade fica ainda pior quando se olham as diferenças regionais.

Mesmo com melhorias recentes, o Nordeste ainda mantém os piores indicadores: metade das crianças de 4ª série tem nível de 1ª. No Rio Grande do Norte, quase 60% estão nessa situação. Mesmo em São Paulo, o Estado mais rico do País, são 28,7% dos estudantes.

A escala preparada pelo Inep ainda permite calcular qual seria a pontuação ideal de um estudante da 4ª série/5º ano do fundamental: entre 200 e 210 pontos, seguindo a progressão natural do aprendizado.

De Lisandra Paraguassú,no O Estado de São Paulo de 23/03/2008

"A Amazônia quer destruir a floresta", diz Vanzolini

Zoólogo-sambista nega autoria da teoria dos refúgios; "só estudamos um bicho"

Autor de "Ronda" e teórico da biodiversidade, que faz 84 anos em abril, diz que única saída para a floresta é "trancar e perder a chave"



A generosidade e as opiniões contundentes -e muitas vezes politicamente incorretas- de um zoólogo compositor poderiam servir de inspiração para um grande samba. Mas Paulo Emílio Vanzolini, que completa 84 anos no dia 25 de abril, não faz mais música. E, mesmo na ciência, anda acertando as contas com sua obra-prima: a teoria dos refúgios.
"Nem deveria chamar teoria dos refúgios. Fizemos apenas um modelo de especiação de uma espécie. Um bicho. Nós não desenvolvemos nada. Não usamos o termo teoria dos refúgios no trabalho de 1970."
Vanzo, como é conhecido, conta como surgiu a explicação científica mais ilustre (e debatida) sobre a origem da biodiversidade amazônica.
O ano é 1969. Trabalho quase pronto sobre um lagarto do gênero Anolis, que existe em boa parte do Brasil. Vanzolini, que dividia o projeto com o americano Ernest Williams, recebe um pacote da revista científica americana "Science". Era um trabalho assinado por Jürgen Haffer sobre distribuição de aves na Amazônia brasileira.
"Ernest, acho que passaram a perna na gente", foi a reação de Vanzolini. Logo em seguida, o trabalho sobre a distribuição de répteis no Brasil foi enviado para Haffer. "Gosto muito dele, que é pessoa inteligente, e, além disso, como bom alemão, gosta muito de cerveja."
Haffer, que estava na África do Sul, pegou um avião e veio para o Brasil discutir o assunto com Vanzolini. Os dois trabalhos foram publicados em 1970. A concepção dos refúgios, provavelmente, ecoou porque encontrou dois autores generosos, algo nem sempre fácil de ocorrer no mundo da ciência.
Outro pesquisador que contribuiu, com seus estudos paleoclimáticos, para o trabalho de Vanzolini e Williams foi o geógrafo Aziz Ab'Sáber, amigo com quem Vanzo anda chateado. "O Aziz é uma criança. Somos muito amigos, apesar de que agora ele está nessa fase de invenção, de dizer que ele descobriu a teoria dos refúgios. Ele colocou isso na internet."
Nem Haffer nem Vanzolini aceitam as críticas que vêm sendo feitas nos últimos anos aos refúgios -nome dado às "ilhas" de mata úmida e cerrado que se formaram na Amazônia à medida que o clima oscilou entre seco e úmido da Era do Gelo para cá. Essas "ilhas" isolam geograficamente as populações, estimulando o surgimento de novas espécies.
Mas críticas são algo que não falta quando o zoólogo-sambista fala da Amazônia atual.

Insustentável
"Vejo a situação da Amazônia com grande desgosto. A equipe dessa ministra [Marina Silva] é muito ruim. Você conhece o [João Paulo] Capobianco [secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente]? É o pior que tem. Agora ele inventou essa história de gestão do patrimônio genético", dispara.
Do governo, Vanzo parte para criticar os próprios moradores da floresta e as ONGs.
"A Amazônia inteira quer derrubar a floresta. Principalmente o pessoal que vive lá mesmo. O único jeito seria diminuir a população. Não existe desenvolvimento sustentável. É uma besteira completa. Enquanto a população crescer, você não vai negar comida". A única solução é: "Tranca a porta e perde a chave. Enquanto tiver gente e gente fazendo mais gente, como você vai comer sem plantar, sem matar os bichos que estão por lá?"
Em seguida, muda de bioma, mas mantém o alvo. "O grande mal são as ONGs. Elas são ignorantes e muito militantes. Fico feliz que agora liberaram a usina de Tijuco Alto." O projeto da hidrelétrica, que poderá ser erguida sul do Estado de São Paulo pelo Grupo Votorantim, se arrasta há 20 anos na Justiça.
"Eu e algumas alunas tínhamos uma firma de impactos ecológicos. Fizemos estudos naquela área. Lá não tem um metro de mata atlântica. Tem só capoeira, o que é pior."
Mas as boas lembranças amazônicas do autor de "Volta por Cima" -expressão que virou verbete em dicionário e o único samba, segundo Vanzolini, que rendeu algum dinheiro ("Comprei muitos livros com ele")- voltam logo.
"Uma das maiores emoções que eu tive na vida foi na Amazônia, ao lado do Márcio Ayres [primatólogo morto em 2003], que eu conheci no berço."
Os dois cientistas estavam atrás de uma espécie nova de macaco e pararam seu barco em uma ilha, na região de Mamirauá. "Logo quando chegamos pensaram que nós éramos regatões e foram logo perguntando o que vendíamos. Dissemos que estávamos trabalhando nessa coisa do mico-de-cheiro. "Qual o senhor quer?" -perguntaram. "O da cabecinha ruiva ou o outro?" Quase desmaiei na hora. Eles já sabiam que eram dois [tipos]."
Quando um exemplar da espécie nova foi encontrado, o próprio Vanzolini matou o animal. Ayres afirmou que não sabia fazer aquilo. "Eu fui lá e matei. Depois taxidermizei e o Márcio descreveu (e fez uma homenagem ao então orientador, dando o nome ao macaco de Saimiri vanzolinii).
Apesar de ter ficado de fora dessa descrição, a obra de Vanzolini não se resume ao estudo que acabou gerando a teoria dos refúgios. Nas coletas de campo ou no Museu de Zoologia da USP, ele não tem conta do número de espécies que descreveu e batizou, principalmente de répteis e anfíbios ("Quem é sério tem perfil baixo", disse uma vez).
Matar bicho para fins científicos é cada vez mais importante, segundo Vanzolini. "As ONGs acham isso besteira porque elas não entendem de nada", generaliza o zoólogo.

Rodas de samba
O sorriso maroto volta a se abrir quando Vanzolini - depois de tomar dois cafés feitos por sua mulher, a cantora Ana Bernardo, e elogiá-los muito- volta a falar de música, atividade da qual, diga-se de passagem, ele nunca precisou para viver. "A zoologia foi muito boa para mim. Me deu bom emprego, viagens, boas amizades."
O compositor está aposentado mas, segundo ele, continua tendo a música como diversão. "Compor é muito difícil. Toma muito tempo. Perdi o gosto." Porém, alguns botequins do bairro da Aclimação, como o do Heleno, ainda são testemunhas das rodas de samba de que Vanzolini e os amigos costumam participar de longe em longe.
"Ainda frequento, a cada dois ou três meses. Beber eu tive de parar. A proibição é só para cachaça, porque eu tomava um pouco demais. Mas cerveja e vinho eu tomo."
Vanzolini, que em 2004 ficou 51 dias na UTI após a eclosão de quatro úlceras hemorrágicas e após ter três paradas cardíacas no mesmo dia, continua acompanhando tudo do seu refúgio na Aclimação (uma vila inteira dele e dos irmãos, com e uma das casas para ensaios). A eleição nos EUA, por exemplo.
"E essa do Obama agora? Vai ser a glória. Mas duvido que eles tenham coragem. No fim, eles [os americanos] votam em um republicano", explica Vanzo, que ainda se considera um homem de esquerda.

Na escrivaninha
Entrevista encerrada. O zoólogo se levanta e convida o repórter a subir as escadas do sobrado. Passos lentos. Entramos num quarto com a janela quase toda fechada. A televisão ligada em um jogo da Copa dos Campeões -Vanzolini é torcedor da Ponte Preta- e uma estante com vários livros.
Ele retira dois volumes, coloca sobre a escrivaninha e diz: "Sente-se aí, leia isso", com um tom professoral.
É a publicação original do artigo com Williams (dois livros que, somados, passam das cem páginas), feita em 1970. Apesar de não existir realmente o termo no trabalho, ali está um dos marcos (e um dos pais) da teoria dos refúgios.
Se novos sambas não surgirão mais - para Vanzolini tudo já está feito, com uma caixa especial de discos com todas as músicas dele já lançadas- será que algum livro pode surgir, sobre ele próprio?
"Tenho preguiça. Não acho que tenha tanta coisa interessante assim."
Caso ele resolva falar de música, e disso gosta muito, alguns serão criticados, como o ex-parceiro Toquinho ("é um violonista de primeira, mas faz algumas coisas pelas costas"), Caetano Veloso ("esse não serve para nada") e Noite Ilustrada ("quando ele aparecia, aborrecia todo mundo").
Outros tantos, porém, receberão só elogios. Eduardo Gudin, Chico Buarque ("esse eu vi nascer, na casa do meu amigo Sérgio"), Luís Carlos Paraná ("depois da morte dele fiquei meio desiludido em compor") e Isaías Bueno ("o maior violonista do mundo").
Ou seja, o "homem de moral", de frases curtas e diretas, será generoso e ao mesmo tempo duro com aqueles que conviveram com ele ao longo de todos esses anos.

O SAMBISTA ERUDITO
NOME: Paulo Emílio Vanzolini
NASCIMENTO: São Paulo (av. Brigadeiro Luiz Antônio), em 25 de abril de 1924
FORMAÇÃO: Medicina (USP), com doutorado em zoologia (Universidade Harvard, 1950)
CARREIRA ACADÊMICA: em 50 anos, formou 38 doutores e dirigiu por 30 anos o Museu de Zoologia da USP

ARTIGO CIENTÍFICO ILUSTRE: "South American anoles: geographic differentiation and evolution of the Anolis chrysolepis species group", com E.E. Williams (1970), que expõe o modelo dos "enclaves" (refúgios) para explicar o surgimento de novas espécies de réptil)

DISCOGRAFIA: "Onze Sambas e Uma Capoeira" (1967), "Paulo Vanzolini por Ele Mesmo" (1981), "Acerto de Contas" (2002)


Texto de EDUARDO GERAQUE na Folha de São Paulo de 23/03/2008

sexta-feira, 21 de março de 2008

'Brasil está sendo vítima de cassino internacional'

Heiner Flassbeck: economista-chefe da Unctad; Para o ex-secretário de Finanças da Alemanha, a valorização do real resulta da especulação com os juros altos no País

O real está sendo vítima de “um verdadeiro cassino internacional.” O alerta é de Heiner Flassbeck, ex-secretário de Estado do Ministério das Finanças da Alemanha e atual economista-chefe da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Segundo ele, a valorização da moeda brasileira está sendo resultado não apenas dos bons fundamentos da economia do País, mas, principalmente, da entrada de capital externo em busca de ganhos com a taxa de juros. “Essa situação não é sustentável para as exportações brasileiras no médio prazo”, alertou Flassbeck. O problema, segundo ele, é que os investidores estão tomando dinheiro emprestado no Japão, a custo próximo de zero, e o levam para o Brasil para aproveitar a alta taxa de juros. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o sr. vê a turbulência internacional atingindo o real?

O que vem ocorrendo é que investidores estão usando o mercado brasileiro e o real para ganhar milhões. Obviamente que o governo diz que a valorização do real é causada por uma situação econômica estável e, em parte, isso até pode ser verdade. Mas o problema é outro e nenhum governo gosta de admitir isso. A realidade é que há um verdadeiro cassino internacional acontecendo e o Brasil está sendo uma de suas vítimas.

De que forma o Brasil está sendo vítima?

Investidores, temendo a fraqueza do dólar, estão buscando não apenas as commodities para obter lucros, mas também moedas de países com certa estabilidade, mas ainda com taxas de juros altas. O Brasil está exatamente nesse caso e trata-se de um fenômeno que já vem ocorrendo há alguns meses e se intensificando. Um investidor ou um fundo toma dinheiro emprestado no Japão com taxas muito baixas e até próximo de zero e leva para investir no Brasil, com juros bem maiores.

Quais são os impactos disso?

Os ganhos são certos para esse investidor, mas não necessariamente para a economia do País. A entrada de dólares pressiona o real. Se a crise internacional continuar afetando o dólar, esse fenômeno vai continuar afetando o Brasil e não é impossível que o País se encontre em uma situação parecida com a dos anos 90, quando a moeda estava supervalorizada.

O sr. acredita em perdas para as exportações nacionais?

Essa situação não é sustentável para as exportações brasileiras no médio prazo.

A crise de hoje surgiu nos países ricos. Qual está sendo o papel dos mercados emergentes?

As reservas acumuladas nos países emergentes estão, na prática, financiando os desequilíbrios nas contas das economias ricas. Esse fluxo já vem ocorrendo há dois ou três anos, principalmente na China e com a renda do petróleo. Mas agora se fortaleceu.

Reportagem de Jamil Chade,
Fonte: O Estado de São Paulo de 21/03/2008

Lições de uma guerra abortada

Ricardo Vélez Rodríguez

O clima sul-americano esteve quente nas últimas semanas, em decorrência do bombardeio, pela Força Aérea colombiana, do acampamento das Farc na zona limítrofe do Equador com a Colômbia. Tratava-se de um posto avançado das Farc, dotado de todos os serviços. A morte do comandante Raúl Reyes era o objetivo colimado pelos atacantes. Os dados encontrados nos computadores em poder dos guerrilheiros revelam, de entrada, as vinculações inegáveis entre os meliantes e os governos dos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Rafael Correa, do Equador, justamente os que mais bravatas protagonizaram logo após o falecimento do mencionado guerrilheiro, a quem Chávez deu o estatuto de herói.

Algumas lições devem ser tiradas dos fatos ocorridos.

Em primeiro lugar, que é legítimo o esforço do presidente Álvaro Uribe na sua luta contra os guerrilheiros das Farc. A Colômbia invadiu o território equatoriano? Sim, mas para preservar a integridade do Estado, seriamente ameaçado pela guerrilha de narcotraficantes. Do ponto de vista das relações internacionais, aos colombianos assiste a Resolução 1.376 da Organização das Nações Unidas, de 2001, que proíbe aos países membros abrigar no seu território grupos terroristas, financiá-los ou fornecer-lhes armamento. Ora, o Equador repetidas vezes havia feito vista grossa aos alertas do governo de Bogotá que indicavam a presença de guerrilheiros das Farc nesse país. A invasão de dois quilômetros em território equatoriano soa, assim, como ato de legítima defesa, praticado pelas Forças Armadas colombianas. Os documentos apreendidos mostraram que havia contatos freqüentes entre Raúl Reyes, o governo equatoriano e o presidente Chávez.

Segunda lição: ficou claro de que lado estão o presidente Chávez e o seu seguidor, o presidente equatoriano. Eles se alinharam em favor dos fora-da-lei ao tomarem as dores das Farc, exigindo, inclusive, da comunidade internacional o reconhecimento desses terroristas como grupo beligerante. O que eram apenas indícios levantados por jornalistas, no sentido de que Chávez dava abrigo, na Venezuela, aos grupos guerrilheiros colombianos, permitindo-lhes acesso a serviços médicos essenciais, a materiais de intendência e armamentos, ficou confirmado nos documentos apreendidos no acampamento das Farc. O presidente venezuelano deverá explicar, agora, à comunidade internacional a “ajuda” de US$ 300 milhões concedida à guerrilha colombiana. Deverá dar explicações, outrossim, acerca da notícia, que foi divulgada por alguns jornalistas, de que as Farc colaboram com o líder venezuelano no treinamento das milícias revolucionárias “bolivarianas”. Explicações deverão ser dadas, de outro lado, pelo presidente Correa, do Equador, no relativo ao abrigo dado aos meliantes das Farc. É reprovável a farsa em torno dos direitos humanos dos seqüestrados pelas Farc, protagonizada por Chávez e por Correa, os quais chegaram a negociar com a vida das vítimas para obter dividendos políticos.

Terceira lição: o governo brasileiro deve revisar com urgência a sua posição favorável às Farc, ao não arrolá-las como grupo terrorista e ao ficar simplesmente censurando o governo da Colômbia pelo fato de se defender. Se o Brasil pretende assumir um papel de mediador na América Latina, deve fazer esforços concretos em prol de manter clara uma posição equilibrada. O populismo é mau conselheiro nas relações internacionais, seja lá pelas razões que se aleguem. O governo Lula fica cheio de dedos quando se trata de condenar alguém do famigerado Foro de São Paulo, simplesmente por simpatias ideológicas, que de forma alguma devem pautar a nossa política externa. Felizmente, no caso da reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Grupo do Rio, ficou do lado de fora o “chanceler ad hoc” petista, Marco Aurélio Garcia, cujas declarações à imprensa internacional comprometeram a sensatez que deveria prevalecer no alto governo, ao se mostrar simpático às Farc, pondo em risco a idoneidade do governo brasileiro para lidar com assuntos ligados ao combate contra o terrorismo.

Quarta lição: ficou claro que a Colômbia está conseguindo vencer os terroristas, preservando o Estado de Direito e as garantias constitucionais, graças, sobretudo, à sensata política de “segurança democrática” desenvolvida pelo presidente Uribe e, também, em decorrência das reformas efetivadas nas Forças Armadas e na polícia. Hoje, elas são as mais preparadas do continente na luta antiguerrilheira. É uma organização moderna de 208 mil homens (sendo 136 mil do Exército, 15 mil da Marinha, 7 mil da Força Aérea e 50 mil da Polícia Nacional), que desenvolve uma luta sem quartel contra os inimigos da democracia. Está-se tornando realidade o que o estudioso Alfredo Rangel dizia há algum tempo: as Farc deverão acolher-se às negociações de paz, nos termos fixados pelo Estado colombiano, que contemplam a submissão à Justiça de todos aqueles que tiverem praticado crimes de lesa-humanidade e abrem espaço para a desmobilização pacífica dos demais membros das organizações subversivas.

Que as Farc estão chegando ao fim da linha, disso não resta dúvida, a julgar pelo desespero que assola os que, do exterior, dão apoio militar a esses facínoras - que o digam as bravatas de Chávez e Correa, em dias passados; e que o digam, também, os apavorados chefes de segurança dos líderes da narcoguerrilha, que começaram já a entregar os seus comandantes, a fim de salvar a própria pele e ganhar as milionárias recompensas que o governo de Uribe oferece aos que facilitem a captura, vivos ou mortos, dos capi di tutti capi das Farc.

Do O Estado de São Paulo de 21/03/2008
Texto de Ricardo Vélez Rodríguez, coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da Universidade Federal de Juiz de Fora, é membro do Instituto de Humanidades (Londrina) e da Academia Brasileira de Filosofia (Rio de Janeiro)

quinta-feira, 20 de março de 2008

Despoluir o Pinheiros, tarefa de gerações

O rio Pinheiros vai ressuscitar. A melhora será paulatina, mas, no fim de 2009, já se notará uma boa diferença

O RIO Pinheiros vai ressuscitar. Voltará a ser local de esportes e lazer -terá uma ciclovia ao lado e, com a reurbanização de suas margens, que receberam 400 mil mudas de espécies vegetais, o rio, despoluído, será reincorporado de maneira agradável à paisagem da cidade, recuperando seu papel histórico.
A melhora será paulatina, mas, no fim de 2009, já se notará uma boa diferença. Vai demorar de dez a 12 anos para o Pinheiros ficar limpo -dependerá também de sua capacidade de recuperação.
Despoluir é tarefa de gerações que não pode ser interrompida. E exige a colaboração de todos. Não é apenas esgoto que polui um curso d'água. Todo lixo atirado na rua e não recolhido acaba chegando aos córregos e rios.
Os ingleses levaram um século e meio para sanear o Tâmisa e não jogam lixo na rua nem no rio. As primeiras obras de captação de esgoto datam de meados do século 19, e as de tratamento, do início dos anos 1950 -só duas décadas depois o Tâmisa estava despoluído. E o trabalho não pára.
Além disso, o rio que atravessa Londres tem vazão cinco vezes maior do que o Pinheiros (de apenas 10 m3/s, média anual de longo prazo), quase formado por "lagoas", o que torna sua despoluição mais complexa, lenta e onerosa. Num corpo d'água corrente, a natureza oxigena o rio, degradando a matéria orgânica.
Quase 3 milhões de pessoas moram em torno da bacia do Pinheiros, onde se concentram dezenas de indústrias, gerando 10,9 mil litros de esgoto por segundo.
O governo do Estado de São Paulo enfrenta o desafio de despoluir o Tietê e o Pinheiros para garantir a disponibilidade de água ao abastecimento da população da região metropolitana da capital, resgatar o uso múltiplo de suas águas e recuperar e melhorar a qualidade ambiental e urbana.
Recuperado, o Pinheiros contribuirá também para a geração de energia, tornando o projeto de despoluição auto-sustentável.
A ciclovia, de 14,5 km, na margem oposta à da linha de trem, ligará a usina de Traição ao autódromo de Interlagos. As obras devem começar ainda neste ano.
Para a despoluição da bacia, foi implantado o Sistema de Interceptação Pinheiros, composto por coletores, estações elevatórias e interceptores de esgotos, além do teste de flotação da água. Em breve, a triste cena que se vê hoje -tubulações despejando esgoto no rio- vai acabar. Todo o esgoto será coletado e bombeado da nova estação elevatória Pomar para tratamento na ETE de Barueri, distante cerca de 20 km. Depois de tratado, será lançado no rio Tietê.
O governo de São Paulo já investiu R$ 470 milhões na despoluição da bacia do Pinheiros, com apoio do BID e do BNDES. As dezenas de indústrias que jogam esgoto no rio terão de usar a rede coletora às suas margens.
O governo do Estado, por meio da Empresa Metropolitana de Águas e Energia, está fazendo o teste no sistema de flotação das águas do rio Pinheiros para comprovar a eficiência do método na remoção da poluição difusa da região metropolitana.
Conforme acordo firmado com o Ministério Público, o teste do sistema de flotação envolve o tratamento das águas dos últimos 5 km do Pinheiros, pelo bombeamento de 10 m3/s para o reservatório Billings, fornecendo subsídios para a elaboração do relatório de impacto ambiental que será submetido ao Conselho Estadual do Meio Ambiente, que autorizará a implantação do projeto final, com a despoluição dos 25 km do rio.
A partir de 2010, a água do Pinheiros poderá ser bombeada para Billings, numa vazão de até 50 m3/s, captando 40 m3/s do Tietê. Essa vazão deixará de ser exportada para os municípios da bacia do Médio Tietê.
A melhoria da água do Pinheiros garantirá a retomada do bombeamento na estação elevatória de Pedreira, essencial à prioritária utilização de Billings para abastecimento urbano e para os demais usos da represa: controle de cheias, lazer e recreação, preservação e desenvolvimento de ecossistemas e geração de energia na usina de Henry Borden, em Cubatão, hoje subaproveitada.
Para a despoluição de rios e córregos paulistanos, o governo estadual executa o programa Córrego Limpo, em parceria com a prefeitura de São Paulo. Criado em 2007, o programa visa despoluir, em dez anos, os 300 córregos da capital. É essencial a colaboração de toda a população. Cidade limpa, cursos d'água limpos, expressão de seu povo.


Da Folha de São Paulo de 20/03/2008
Texto de DILMA SELI PENA, mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas, é secretária de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo e presidente do Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Saneamento. Foi diretora da ANA (Agência Nacional de Águas).

quarta-feira, 19 de março de 2008

Viagem ao Nordeste - São Paulo, Jericoacoara

Uma aventura possível

Sair de férias e viajar pelo Brasil sem compromisso com datas e horários é o sonho de 11 em cada 10 trabalhadores, este sonho tornou-se realidade para mim, pedi férias no meu emprego e coloquei as malas no carro e fui acelerar pela imensidão que o nosso Brasil.

Eu queria conhecer o Nordeste do Brasil, começando por Jericoacoara no Ceará e contornar o litoral até chegar de novo em São Paulo
A viagem foi empreendida por mim e minha esposa e um casal de amigos.

Quando eu pensei na viagem, percebi que seria muito difícil e monótono dirigir sozinho por quase 10 mil quilômetros, então convidei o casal Álvaro e Maria Auxiliadora para nos acompanhar, então a lotação do Celta 2004 ficou assim: eu que sou o José, a Maria Conceição, minha esposa também conhecida por Selma e o casal Álvaro e Maria Auxiliadora.

Neste tipo de empreitada, quase sempre, os fatores determinantes são o tempo e o dinheiro. No meu caso e de minha esposa o tempo era suficiente, pois ela é aposentada e eu contava com 2 meses de férias.
Quanto ao dinheiro nós havíamos decidido que gastaríamos apenas o suficiente para as refeições e para as estadias noturnas que poderiam ser feitas em pousadas e não em hotéis.
No caso do outro casal, muito apegado aos netinhos, eles tinham o compromisso de passar o aniversário dos netos em casa e isso limitava nossa viagem ao máximo de 01 mês.

Fazer as malas carregando apenas o essencial é uma missão quase impossível, sempre pensamos que vamos precisar de uma calça a mais, uma bermuda, uma camisa, uma camiseta, um vestido, um short, um biquíni...
A Maria Auxiliadora e Álvaro contribuíram com alguns acessórios para a viagem: 2 varas de pescar, facão, canivetes, tralhas para pesca, pá para tirar areia caso o carro fique atolado em duna.
Também não pode faltar o protetor solar, o repelente a mosquitos... a máquina fotográfica, afinal de contas, viajar sem fotografia é como se a viagem não existisse.
A comunicação é essencial e então comprei um celular da Tim, pois é a única operadora que tem “roaming” em todo território brasileiro, também o seguro do veículo foi contratado com garantia de socorro em todo Brasil.

O porta-malas do Celta é muito pequeno e somente as malas de um casal ocupam todo espaço disponível, para isso comprei um porta-malas de teto o que duplicou a capacidade de carga, o único problema é que o volume do bagageiro de teto é razoável, mas a carga máxima admitida é de apenas 45 quilos, portanto só é possível colocar volumes de baixo peso e muito volume.
Com as contas pagas antecipadamente e outras agendadas no banco, fizemos as malas e demos início a nossa epopéia.











15-02-2008 Sexta-feira 18 horas, velocímetro marcando 64997, começamos nossa viagem, saímos de nossa casa em direção a Mogi das Cruzes em busca de nossos parceiros de viagem.
A nora do casal nos convidou para jantarmos em sua casa em Mogi das Cruzes, aceitamos o convite e ficamos de passar na casa dela lá pelas 20 horas no máximo 21 horas.
O trânsito caótico nos lembraria que estamos em Sampa e todo e qualquer compromisso pode não ser cumprido.

19:40 - Av Cidade Jardim, apenas 14 km percorridos em quase duas horas e o vidro da janela do motorista apresenta defeito, pois o motor que controla a abertura e fechamento do vidro não funciona.
Na avenida Cidade Jardim e sua continuação a Av, Nove de Julho estavam entupidas de carros e demorei a chegar no estacionamento do Carrefour da Alameda Pamplona.
Com o Celta estacionado chamei o socorro da seguradora que atendeu prontamente e resolveu o defeito com uma gambiarra na parte elétrica, que continua até hoje.
20:50 - Saímos do Carrefour em direção a Mogi das Cruzes.
22:40 – Chegamos na casa da Maria Auxiliadora e do Álvaro e fomos obrigados a dispensar o jantar na casa da nora deles, mas mesmo assim deglutimos a comida preparada, pois ela nos enviou “marmita” da refeição.
Fomos dormir tarde da noite com a intenção de levantarmos o mais cedo possível, para iniciarmos nossa viagem em direção ao nordeste brasileiro.

16-02-2008
Acordamos por volta das 5 horas, último dia do horário de verão e a noite ainda se fazia presente, pois estava ainda estava escuro.
Tomamos um rápido café da manhã para “acordar”, botamos as malas no carro, rezamos, os três companheiros de viagem são muito religiosos, minha esposa e o casal são católicos praticantes e eu os acompanhei nesta prece, bons fluidos sempre fazem bem.







































Fotografamos o quarteto ainda fora do carro e demos partida no Celta.

5:58 no relógio e 65.085 no marcador do Celta – Saímos da casa da Maria Auxiliadora e do Álvaro em Mogi das Cruzes, nosso objetivo imediato é chegar à Brasília ainda no sábado.
A Maria Conceição, minha esposa, escreveu na agenda “Que Deus nos acompanhe. Amém.
Neste primeiro percurso o motorista que assumiu o comando do Celta foi o Álvaro, pois sendo ele residente em Mogi das Cruzes tinha mais conhecimento de como sair da cidade e chegar na Rodovia Anhangüerra.
O Álvaro percorreu as ruas e estradas de Mogi e nos colocou na rodovia Dom Pedro.
7:10 - Pagamos e passamos no primeiro pedágio.
7:50 - Paramos para tomar café, que foi pago pela Mª Auxiliadora.
8:10 - Segundo pedágio
8:19 - Entramos na Via Anhangüerra
8:32 - Terceiro pedágio
9:16 – Paramos no Graal, tomamos café que foi pela Mª Conceição
As mulheres combinaram que elas pagariam o café e os homens pagariam o almoço, justo, muito justo...cadê a igualdade dos sexos, parece que a igualdade termina no bolso.
9:24 - Quarto pedágio, como tem pedágio no estado de São Paulo.
9:37 - Quinto pedágio - Cidade Leme
9:57 - Sexto pedágio
10:37 Entramos em Porto Ferreira procurando uma agência do Santander, pois eu precisava depositar um cheque que eu havia esquecido de depositar na minha conta.
Enquanto procurava a agência conheci um pouco desta cidade das cerâmicas, até tirei foto da praça da Matriz, pena que a máquina fotográfica estava de mal comigo.
Quanto convidei os outros 3 integrantes da excursão a posar para fotos, eles ouviram vai ter fotos, adoro fotos, ditas por alguns “trombadinhas” que estavam nas proximidades.
As duas Marias e o Álvaro tomaram caldo de cana e comeram pastel.
Km 65407 - Enchemos o tanque com 34 litros de gasolina
11:12 - Sétimo pedágio
11:28 - Oitavo pedágio – Estamos no meio de plantação de cana em Ribeirão Preto

12:30 – Paramos para almoço na Churrascaria Santa Rita, mas não gostamos do cardápio e resolvemos seguir adiante.
Esta churrascaria fica no limite de São Joaquim da Barra e Orlândia.
12:51 – Saída para Ipuã, Guairá e Barretos
Paramos para almoço, que foi uma porcaria, preço baixo e qualidade pior ainda.
A Conceição anotou:
“Ninguém gostou da comida. Os homens não foram aprovados para escolher o restaurante”
13:52 - Nono pedágio
14:18 – Divisa São Paulo e Minas e entramos na estrada BR 050
14:38 - Entramos em Uberaba e avistamos a 1ª placa de Brasília
15:51 - Passamos em Uberlândia
16:13 - Paramos para tomar um café
Eu pego o volante do carro Celta, o Álvaro havia percorrido 693 quilômetros.
Atravessamos o rio Araguari
16:35 – Km 65.802 - 37 litros de gasolina e ganhamos vale brinde para 3 cafés expresso. Eu sempre fazendo piada pedi vales para as próximas paradas
A Conceição anotou:
“Fomos com Deus e ficamos muito contentes.
Até agora o melhor banheiro, tinha até ducha higiênica.
Posto Brasileiro da Texaco, altura do km 28 da BR 050
17:13 - Passamos sobre o Rio Parnaíba
17:26 - Passamos pela divisa Minas e Goiás
17:48 - Passamos pela cidade de Catalão e o asfalto está péssimo
18:24 - Estamos a 10 km de Campo Alegre
18:57 - Estamos a 180 km de Brasília e o asfalto está horrível













19:26 – Chegamos em Cristalina, nas proximidades de Brasília, vamos procurar uma pousada pois a noite se aproxima, apesar do horário de verão.
Estacionei diante de um hotel feio, que tinha uma pessoa sentada na calçada com olhar mais feio ainda e fomos eu e o Álvaro procurar um hotel para repousarmos, logo em frente havia um hotel razoável que apreçamos, retornamos ao hotel feio e verificamos que o homem sentado na calçada era o recepcionista do hotel feio, parecia embriagado ou coisa semelhante, verificamos os aposentos do hotel e não gostamos, principalmente por causa do cheiro do banheiro e do aspecto sombrio dos apartamentos.
Sem decisão fomos procurar outros locais, após nos informamos com os habitantes de Cristalina encontramos o hotel 2000, onde pernoitamos, estacionamos o Celta e seu porta-malas de teto em garagem fechada.
Antes de nos recolhermos aos aposentos do hotel fomos tomar uma “gelada”, pois ajuda a relaxar.
A cama foi razoável, o chuveiro sem surpresa e os pernilongos espantados com repelentes.

Características geográficas de Cristalina
Área 6.160,722 km²
População 40.900 hab. est. 2006 Densidade 6,6 hab./km²
Altitude 1.250 metros
Clima tropical de altitude
Fuso horário UTC-3
Indicadores de Cristalina
IDH 0,761 PNUD/2000
PIB R$ 652.021.000,00 IBGE/2005 PIB per capita R$ 17.157,49 IBGE/2005

17-02-2008 Domingo
6:30 Já estávamos acordados e tomamos nosso café e fomos brindados com bolinhos de polvilho, fritos na hora, preparados pela dona do hotel. Pegamos as malas, pusemos no Celta e saímos da cidade.
7:37 – O motorista sou eu
Enchemos o tanque de gasolina e tentei fazer troca de óleo do motor do carro, mas aos domingos os donos dos postos fecham o depósito onde deveria ficar o óleo lubrificante, esta tentativa foi frustrada também em outros postos.
7:51 - Apenas completei o nível de óleo com utilizando a embalagem que eu havia trago como reserva.
O Álvaro conversa com um vendedor de pedras “preciosas”, mas não compra nada, em seguida ele paga em uma loja de pedras e dá uma olhada, sem nada comprar.
8:07 - Finalmente estamos na estrada
8:52 - Passamos por Luziânia














9:04 - Atravessamos a divisa Goiás e Distrito Federal
9:23 - Entramos em Brasília, a princípio o Álvaro era contra nossa entrada na capital federal, ele argumentava que devíamos seguir adiante sem parar, porém ele foi vencido e nós fomos conhecer as obras de Juscelino, Niemeyer e Lúcio Costa, por que as obras que os atuais ocupantes daquela cidade e daqueles palácios estão a nos impingir, gostaríamos de passar bem longe, pois são fétidas.
O Álvaro acabou gostando da pequena estadia, tirou muitos fotos e filmou a Catedral e os outros prédios, aparentemente foi o que mais gostou da visita.
A Maria queria participar de uma missa na Catedral, mas chegou atrasada, praticamente no final da celebração.
A capital da república parece desabitada, a região central, a Praça dos Três Poderes e arredores, só tinha turista.




























10:59 - Vamos tentar sair de Brasília.
11:49 - Após errar por algumas avenidas sem nome, pelo menos para nós seres mortais do resto do pais, conseguimos entrar na BR que nos tiraria deste convívio com os “donos do poder”.
Uma placa nos informa que faltam 2.278 km para chegar à Fortaleza
13:05 - Paramos para almoço no Flamingo Shoping
13:21 - Passamos por Planaltina
13:42 - Entramos novamente em Goiás
13:45 - Passamos por Formosa
14:12 - O Álvaro assume a direção do Celta
14:31 – 66403 no odômetro, enchemos o tanque com gasolina
Povoado de Vila Boa
A Mª Auxiliadora realizou seu desejo, que demorou para ser concretizado, pegou manga no pé, sobre protestos do Álvaro, mas que acabou cedendo e parou o carro para tal façanha da Auxiliadora.
15:17 - Passamos pelo povoado de Santa Luzia
15:37 - Passamos por Alvorada do Norte e Parque da Terra Roca
16:05 - Deixamos Goiás e entramos na Bahia, no odômetro 66.549
16:23 - Ficamos impressionados com a imensidão de baixada ou planície, é uma paisagem nova para nós nascidos em terras montanhosas. Muita plantação de soja e milho que se estendem até o horizonte.
17:54 – Estamos no km 170 da rodovia e o Álvaro na direção nos avisa que não gosta de ficar contar os quilômetros pois dá ansiedade para chegar e os minutos ficam “mais longos”
18:17 – Estamos em Luis Eduardo Magalhães, antigo Mimoso do Oeste distrito de Barreiras, ficamos impressionados com os trens-minhões carregando soja e a quantidade de silos destinados a armazenagem de soja e milho, é uma cidade com um progresso espantoso.
Ela foi emancipada em 30/03/2000

A Conceição anotou: “estávamos rodando a 2:31 horas e não tinhamos onde parar, a não ser que usássemos a plantação como banheiro, estamos com muita fome mas queremos viajar enquanto é dia, vamos aguardar a próxima cidade que é Barreiras a 90 km de distância onde pretendemos dormir”
Perguntamos ao frentista do posto se a estrada estava em boas condições de uso e se conseguiríamos chegar ainda com a luz do sol, ele nos afirmou que sim para as duas questões.
18:42 - Voltamos à estrada e seguimos pela BR-242 que é utilizada pelos trensminhões de soja e apresenta uma ondulação no centro de cada mão de direção da estrada, pois os pneus dos trensminhões supercarregados afundam o asfalto onde passam e elevam a parte central da mão de direção onde passam.
Uma panela, um cratera, um buraco no asfalto arrebenta com a roda do Celta e o pneu esvazia instantaneamente e somos obrigados a parar para trocar a roda e seu respectivo pneu, felizmente a roda e o pneu estepe estavam em ótimas condições de uso, fizemos uso de lâmpada de emergência ligada na bateria e o Álvaro trouxe também uma lâmpada de amarrar na cabeça que foi muito útil na troca do pneu.
Todos ficamos super assustados, num lugar daqueles, no meio do nada, uma escuridão medonha,
caminhões passando a todo instante, fizemos o possível para sinalizar nosso posição e trocamos o pneu o mais rápido possível.
A noite já tinha tomado do espaço e tínhamos a sensação que já eram 22 ou 23 horas, mas ainda não havíamos atinado que estávamos acostumados com o horário de verão e que o fuso horário “real” daquela região é diferente o sol amanhece e se põe antes do que em São Paulo.
21:12 – Chegamos na cidade de Barreiras, comemos um lanche e fomos procurar uma pousada.
Pernoitamos na pousada Lagoa Santa.



















Barreiras se orgulha de ter um maiores carnavais do sertão baiano, no centro da cidade existe uma área reservada para festas coletivas, na noite em que passamos lá a igreja matriz estava lotada de fiéis, tão lotada que os fiéis acompanhavam a celebração através de um telão do lado de fora igreja, na praça da matriz.

18-02-2008 - Segunda Feira
8:00 - km 66885 no odômetro
Tomamos café e saí para consertar o pneu com defeito, felizmente ao contrário do que eu pensava nada houve com o pneu o borracheiro conseguiu desentortar a roda apenas com algumas bordoadas na mesma. Consertado o pneu, retomamos a viagem.
8:47 - Paramos em posto de gasolina, para o tradicional xixi.
Consegui fazer o quase impossível, tranquei o carro com a chave dentro do mesmo, na tentativa de abrir as portas para recuperar a porta, vi que a janela traseira do lado esquerdo, do lado do motoristo, estava com o vidro uma abertura de uns 2 centímetros, só que para enviar algum arame dentro do carro foi necessário arrancar a calha de chuva que protege a porta contra excesso de vento e chuva.
Várias pessoas do posto se ofereceram para ajudar a abrir a porta, cada com uma solução, até que alguém arrumou um vergalhão de construção e conseguimos puxar a trava da porta e abrir o Celta.
9:17 – Veículo aberto, problema solucionado, voltamos à estrada.
9:44 – Passamos pelo arraial de Santa Rita
9:50 – Passamos por Monte Alegre
10:27 – O asfato melhora, no trecho de estrada que constava como estrada de terra, o asfalto acabou de ser construído e este é um dos melhores trechos do percurso.
11:20 - Passamos pelo morro do Papagaio e paramos fotos.
11:25 - Passamos por Corrente
12:08 – Passamos por Gilbués
12:27 – Paramos para almoço e todos gostaram da comida.
13:21 – Retornamos nossa jornada
13:31 – Passamos por Monte Alegre do Piauí
14:46 – O Álvaro pega a direção do Celta, havíamos percorrido 413 km, existem muitos bois e jegues às margens da estrada e é preciso redobrar a atenção.
14:59 – Passamos por Bom Jesus onde existe uma Universidade Federal.
15:27 – Passamos por Cristiano Castro
16:26 – Passamos pela Colônia de Gurguéia
16:42 – Passamos por Eliseu Martins, onde uma placa nos informa que faltam 500 km para Terezina.
Choveu um pouco e a estrada está muito ruim, com muitos buracos.
O asfalto molhado pela chuva e quente pelo sol escaldante que faz no Piauí provoca muita neblina e com o entardecer e anoitecer transforma a viagem em uma tortura, pois o Álvaro, motorista, precisa se livrar dos buracos, enxergar através da neblina no lusco-fusco prolongado.
Ainda não havíamos acertado o nosso fuso horário, já era noite no Piauí e nós ainda estávamos na estrada.
19:20 Finalmente conseguimos chegar próximos da cidade de Canto do Buriti e avistamos a placa de uma pousada, que entramos sem mais delongas e sem a aquele tradicional ritual de verificar preços e acomodações nos concorrentes, todos estávamos muito estressados, principalmente o Álvaro por causa de sua incumbência em nos trazer até aqui. Um detalhe que não gostei, e queria repetido em outras paradas, só tinha chuveiro frio, os nativos dizem que a água é quente, só se for para eles, o choque térmico entre o calor sufocante e água fria para mim é tormento.
Um dos apartamentos tinha formigas passeando pela cama e como meu sono é muito leve, pedi ao Álvaro que ficasse com este apartamento.
A estadia não foi boa, de manhã ainda tivemos a desagradável surpresa de saber que o café da manhã era cobrado à parte.
A pousada tem uma piscina cuja água não é tratada, ela é renovada a cada dois dias pois a pousada possui um poço artesiano e a água simplesmente é jogada fora; para não dizer que é totalmente desperdiçada, ela é aproveitada para molhar a plantação de cocos que tem na pousada. Este desperdício de água de poço artesiano é normal em todo sertão nordestino, alguns sem água para beber e outros simplesmente jogando fora o precioso líquido.




























Características geográficas de Canto do Buriti
Área 4.409,804 km²
População 20.673 hab. est. 2007 Densidade 4,2 hab./km²
Altitude 269 metros
Clima Semi-árido
Fuso horário UTC-3
Indicadores
IDH 0,616 PNUD/2000
PIB R$ 29.752.915,00 IBGE/2003 PIB per capita R$ 1.606,10 IBGE/2003

19-02-2008 - Terça-feira
7:41 – 67714 km marcando no odômetro.
Eu sou o motorista. Pegamos a estrada que tem muitos buracos.
9:52 – Descobrimos que havíamos tomado o rumo errado da estrada, pelo que ouvi, eu não sou o primeiro a cometer este erro. Estávamos nas imediações de São Raimundo Nonato, que é uma área de maior concentração de sítios pré-históricos do continente americano e Patrimônio Cultural da Humanidade - UNESCO. Estudos científicos confirmam que a Serra da Capivara foi densamente povoada em períodos pré–históricos. Os artefatos encontrados remontam presença registrada há 50.000 anos.












































Fotografamos o local e retornamos a Canto do Buriti, entre ida e volta gastamos 231 km
11:15 – De novo em Canto do Buriti o Álvaro comprou melão, abastecemos o Celta, nos abastecemos também, isto é almoçamos.
12:35 – Retornamos para estrada
13:24 – Passamos por Itaueira
14:00 – O Álvaro pega o volante.
14:43 - Passamos pela cidade de Floriano
15:34 – Passamos a primeira ponte sobre o Rio Parnaíba, que está pouca água. A Conceição escreveu: “seco de dar dó”
A estrada melhorou, porém as placas estão ilegíveis, parecem que são do tempo do JK
16:21 – Primeira placa legível do trecho informa que estamos a 105 de Teresina, estamos perto de São Pedro do Piauí.
16:27 – Passamos por Água Branca
17:30 – Chegamos em Teresina.
Rodamos um pouco procurando hotel ou pousada,
18:00 - Paramos num posto para abastecer e trocar o óleo do motor, que já deveria ter sido trocado desde a cidade de Cristalina.
O responsável pela troca de óleo já estava indo embora, estava de roupa trocada. O pessoal nos aconselhou a procurar hotel junto a rodoviária, que fica mais ou menos na entrada da cidade.
Em frente à rodoviária existem vários hotéis e escolhemos um que tinha garagem, mas chuveiro frio. O galo no terreiro do vizinho não deixou o casal Alvim e Maria dormirem em paz.














































20-02-2008 – Quarta-feira
6:58 - 68249 no odômetro, eu pego o volante para dirigir.
De manhã o Álvaro insistiu para que fôssemos até o centro para conhecermos, já que estávamos na cidade, a Maria Auxiliadora não estava muito afim, mas acabou vencida e fomos nós a conhecer a capital do Piauí.
Estacionamos o veículo perto da catedral e saímos a pé, para conhecer as ruas e o comércio local, o Álvaro comprou algumas lembranças.
O Álvaro reclamou que a Auxiliadora havia estrupiado ele, isto se tornou um bordão para o resto da viagem. O motivo é que ele não gosta de acordar cedo e também havia tarde, vendo jogo do Flamengo na tv.
A Conceição também não gosta de acordar cedo.
O acordar tarde e a espera pelo café da manhã e o erro de estrada em Raimundo Nonato já estava nos atrasando, pois já deveríamos estar em Jericoacoara.
9:23 – Saímos do estacionamento no centro de Teresina e fomos em direção ao Maranhão, queríamos conhecer um pouquinho da terra do Sarney, pois não precisou atravessar o rio para conferirmos a influência do homem, ao atravessar a ponte vimos o nome Ponte José Sarney, apesar de ser proibido de dar nomes de pessoas vivas a lugares.
9:50 – Visitamos Timão e posamos para foto, tomamos um refrigerante, compramos um jornal do Maranhão.
10:00 – Retornamos ao Piauí e ao nosso destino
11:14 – Passamos por Campo Maior onde existe um monumento à Batalha do Jenipapo.
Foi nessa cidade que ocorreu a mais violenta e única batalha sangrenta pela Independência do Brasil, a Batalha do Jenipapo.
Esquecida historicamente, o 13 de março de 1823 teve papel decisivo para manter a unidade territorial do país. Consistiu na luta de vaqueiros, agricultores e outros trabalhadores contra as tropas do Marechal Fidié, que cumpria ordens do Rei de Portugal, D.João VI, para que o norte do Brasil permanecesse sobre o domínio português. O povo do Piauí, lutava com facões e instrumentos de trabalho , não com armas. Perderam a batalha, mas não a guerra. Depois disso, Fidié, seguiu para o Maranhão, onde foi preso.
11:56 – Passamos por Capitão de Campos
12:23 – Procuramos lugar para almoçar dentro da cidade de Piripiri, mas desistimos e fomos procurar na estrada. Almoçamos em restaurante junto ao posto de abastecimento, onde ao lado também havia uma loja de pedras e o destaque principal era a Opala.
13:27 – Estamos de volta à estrada
13:40 – Uma placa nos informa que estamos a 50 de Pedro II, a cidade da Opala.
14:06 – Passamos por Alto Alegre, um jegue deu um show com seu zurrar característico, eu tentei filmar, mas a máquina não registrou
14:27 – Entramos no Ceará.
14:38 – O Álvaro pega o volante
14:49 – Paramos em Tianguá para comprar rapadura, tomar café e eu tirei foto, junto ao tendal de carnes secas de boi e dti bodti, acho que é assim que se pronuncia “de bode”.
















15:25 – De novo na estrada, estamos na serra de Ibiapaba
16:00 – Frecheirinha
16:37 – Sobral
17:30 – Estamos perto de Santana do Acaraú e começa a anoitecer
17:46 – Passamos por Santana do Acaraú
18:00 – A lua aparece e está linda
18:50 – Estamos em Acaraú e as placas de indicação de Gijoca e de Jericoacoara estão apagas, ou com direção contrária, pois os guias de Acaraú sacaneiam os turistas para que peçam auxílio para leva-los até o destino.
19:30 – Entramos em Gijoca, a noite está muito escura, de várias cantadas de guias, o Álvaro acabou ouvindo um rapaz chamado Bruno, que muito cortês e bem falante nos convenceu a aceitar sua indicação de uma pousada.
19:44 – Chegamos na Pousada da Lagoa, deixamos o carro e fomos procurar um local para lanche e uma “gelada”, por sorte bem na praça principal de Jijoca, encontramos uma pizzaria, onde o proprietário e o garçom já havia trabalhado em São Paulo, a pizza “paulista” estava muito boa.Fora de São Paulo é muito difícil comer uma pizza que agrade aos paladares de nós paulistanos.











































21-02-2008 - Quinta-feira
Jericoacoara, aqui estamos nós.
Aqui começa de fato nossa viagem, próximo destino as praias em direção ao Sul até a Bahia.
Para vocês que estão lendo, tenham paciência, retornarei a estas crônicas, no final de abril, quando voltar de minha próxima viagem a Minas. Viagem de visita a familiares. Viagem para matar saudades da infância e da juventude.

 




























Leia os outros capítulos.

Diferencial de juro estimula especulação

Com juros reais negativos nos EUA, o Brasil fica ainda mais atraente para o investidor estrangeiro por conta do diferencial entre os juros internacionais e os locais. Os títulos do governo brasileiro pagam hoje uma média de sete pontos percentuais a mais que os papéis do Tesouro americano, já descontadas as respectivas inflações.
No caso da Bolsa, o país também pode oferecer perspectivas melhores de retorno para as empresas, considerando que a economia americana enfrenta -ou caminha para- uma recessão, com crescimento anual previsto de 1%, enquanto no Brasil a previsão é de alta de 5% do PIB.
Os efeitos de curto prazo desse diferencial de juros na economia se traduzem em uma apreciação do real, que se soma a uma desvalorização internacional do dólar -política que ajuda os EUA a venderem mais no exterior e a atraírem capitais, financiando o fim da recessão.
Quando entra no Brasil, o estrangeiro lucra duas vezes: primeiro, com o retorno maior, seja por juro alto ou alta das ações; depois, com o câmbio, já que o real tem comprado sempre mais dólares meses depois, na saída.
O esquema permite uma das operações financeiras mais rotineiras envolvendo países emergentes, o chamado "carry trade". Investidores emprestam dinheiro com juro baixíssimo nos EUA, Europa e Japão para investir em emergentes como Brasil, Leste Europeu e Turquia. Com o ganho no país emergente, pagam o empréstimo original e ainda embolsam uma soma considerável.
"A redução dos juros nos EUA torna ainda maior o nosso diferencial de taxa. Além de um porto seguro, o Brasil ainda paga sete pontos percentuais a mais de juros. Isso vai trazer mais dólares. Não sei como o governo pensa em equacionar a questão cambial", disse Jason Vieria, da UpTrend.
E esse quadro pode ser acentuado, caso o Banco Central brasileiro resolva subir os juros para conter eventual pressão inflacionária, como sinalizou o Copom. "A ata do Copom foi alarmista. Não há motivo para subir o juro. Os outros países estão baixando os juros, e não há perspectiva de aumento inflacionário", disse Alcides Leite, da Trevisan.
Leite reconhece que o diferencial de juros existe, mas relativiza seu impacto em momentos de turbulência. Ele afirma que o diferencial servirá para "tapar o buraco" que se abre com o aumento da aversão ao risco, que prejudica o Brasil. "Um anula o outro, e fica na mesma. O diferencial de juros é grave, mas não maior do que já era."
Para Fernando Blanco, presidente da Coface, empresa de seguro de crédito, o governo brasileiro não deixará o país virar um "cassino" para especulação com diferencial de juros. "Quem vai peitar um Banco Central com US$ 190 bilhões de reservas? O governo já mostrou que está atento e não vai deixar a moeda se fortalecer por uma questão temporária. Depois que o mundo se regulariza, esse dinheiro sai e causa volatilidade. O país é um porto seguro porque a economia está blindada."


De TONI SCIARRETTA na Folha de São Paulo de 19/03/2008

Reforma penal e tolerância zero

O furto de um CD player de um carro, quebrando-se o vidro, tem a mesma pena mínima do peculato, que é assalto aos cofres públicos

HÁ ANOS, em Nova York, implementou-se o programa "Tolerância Zero". Defende-se rigor com a pequena delinqüência visando obter a redução dos crimes violentos. No Brasil, há quem defenda a "tolerância menor do que zero", como certo governador (Folha, 8/2).
Ele não está sozinho. Muitos juízes, com apoio de parte do Ministério Público, vêm inflando as cadeias (já superlotadas) ao resistir às penas alternativas, ao manter prisões em flagrante por furto de coisas insignificantes e ao decretar prisões provisórias de acusados que, se condenados, terão direito a pena alternativa ou em regime aberto.
O resultado está na mídia. Em Minas Gerais e São Paulo, são antigas as denúncias de cadeias que lembram o Holocausto. No Pará, o horror da adolescente presa com homens por tentativa de furto, estuprada por dias.
Em Santa Catarina, uma adolescente e uma mulher ficam por dias acorrentadas a postes de delegacia. Em Maceió, acusado de furto de um queijo passa meses em cela desumana; outro, acorrentado (Folha, 24/2 e 10/2 deste ano, 25/11, 5/12 e 29/12/ 2007).
A maioria dos presos submetidos a essa situação é de acusados por crimes contra a propriedade privada, ainda que praticados sem violência.
Outra, de "mulas" do tráfico, sendo raros os grandes traficantes presos. Há outras formas de violência, contudo, que causam males mais graves à sociedade, as quais não são alcançadas pelo nosso sistema repressivo ou, quando o são, encontram indisfarçável benevolência.
Onde estão os arautos do discurso punitivo ao lembrarmos da violência da nossa desigualdade social? Da violência da total falta de perspectiva para jovens que estão a pedir esmolas?
Da violência das filas na saúde pública e dos governos que não priorizam transformar favelas sem esgoto em bairros dignos? Da violência de gastar milhões para enviar um brasileiro ao espaço em vez de investir em educação? Da violência do desvio de dinheiro público em obras superfaturadas, sendo, por vezes, até reeleitos os políticos acusados da falcatrua?
Se o direito penal é um instrumento excepcional de proteção de bens como vida digna e liberdade para que todos possam encontrar condições igualitárias de desenvolvimento, não se pode conceber um sistema penal que priorize a proteção da propriedade privada, servindo à manutenção de um status quo altamente doentio não só em termos de desigualdade social, mas também de desigualdade punitiva.
Tamanha é a proteção da propriedade privada em nosso Código Penal que a pena mínima do roubo com arma de brinquedo é igual à do homicídio privilegiado, e a do furto, a mesma da lesão corporal grave. E mais, o furto de um CD player de um carro, quebrando-se o vidro, tem a mesma pena mínima do crime de peculato, que é assalto aos cofres públicos!
Afora essa absurda inversão de valores e o nosso vergonhoso sistema carcerário, o sistema penal enfrenta outros problemas que também clamam por reformas. Lembramos apenas quatro. O primeiro que a todos perturba é o da morosidade da Justiça, sendo grave o equívoco de um projeto do Senado que propõe acabar com a prescrição, em vez de enfrentar a lentidão.
Se a Justiça já é lerda, será pior se não houver prescrição.
Igualmente, o foro privilegiado para deputados estaduais, federais e senadores, além de prefeitos, governadores, ministros etc., que gera gritante impunidade. Afinal, todos deveriam ser iguais perante a lei.
Envergonha o Brasil, também, a tortura e o abuso de prisões temporárias para obter confissões. Quando um juiz admite a utilização de uma confissão policial para condenar, "desde que corroborada por outras provas", estimula-se, indiretamente, a busca pela confissão a qualquer custo. Puro resquício ditatorial.
A pouca proteção a testemunhas é também fator que gera enorme entrave à busca da verdade.
A mais urgente reforma, contudo, é a da mentalidade das autoridades, a fim de que se evite essa irracional "tolerância menor do que zero" para crimes menos graves, acompanhada de hipócrita benevolência com outras formas de violência que geram males muito maiores à sociedade.
Vivenciamos o absurdo. De um lado, as desumanas prisões tornando as pessoas piores, presas do crime organizado; de outro, a impunidade dos que desviam recursos públicos, que gera mais desigualdade social, mais injustiça, mais violência.
Chegamos à triste constatação de que o atual sistema punitivo, em vez de combater o crime, está gerando mais criminalidade. O pior é acreditar no sistema sem enxergar o óbvio: estamos enxugando gelo.

Texto de ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 39, mestre e doutor em direito pela USP, é advogado criminalista. É co-autor do livro "Código Penal Comentado", entre outras obras.
Na Folha de São Paulo de 19/03/2008


Meu comentário:
Em Maceió, acusado de furto de um queijo passa meses em cela desumana, mas se pegar um "Land Rover de R$ 80.000,00" fica solto, não vai para o xadrêz.
Na minha opinião todo corrupto deveria ser julgado como assassino, sim como assassino de crianças que morrem sem assistência médica, assassino de parturientes que morrem nas filas dos hospitais sem assistência, ... a lista é enorme.

A abominável carga tributária

Pena que, a despeito da evolução representada por essas medidas, a PEC nada faça para reduzir a carga de impostos no Brasil

HÁ QUASE 20 anos, desde a Constituinte de 1988, vivemos em permanente processo de reforma tributária. É falso dizer que nada se fez nesse período para aperfeiçoar o sistema de cobrança e de arrecadação de impostos em vigor. As mudanças pontuais introduzidas na legislação em diferentes momentos contribuíram para torná-la mais racional e eficaz, permitindo uma relação mais transparente e civilizada entre o contribuinte -pessoas física e jurídica- e os órgãos arrecadadores.
Persiste, no entanto, a convicção de que o modelo de tributos no Brasil ainda pode melhorar muito. Os principais problemas e distorções são:
1) carga tributária elevada e desproporcional aos serviços públicos ofertados; 2) complexa, superposta e fragmentada tributação sobre consumo; 3) acentuada complexidade da base normativa; 4) excessiva concentração da base de contribuintes; 5) elevada taxação da folha de salários.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) recém-encaminhada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao Congresso Nacional oferece alternativas para solucionar ou, pelo menos, minimizar três desses problemas.
A unificação da legislação sobre o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, por exemplo, representa um enorme avanço em relação à legislação atual. Hoje, como se sabe, cada Estado dispõe de regulamentação específica sobre o ICMS.
São 27 diferentes legislações observadas e cumpridas pelos contribuintes.
Esse quadro é agravado pela chamada "guerra fiscal".
A PEC do governo estabelece que, nas operações e prestações interestaduais, "o imposto pertencerá preponderantemente ao Estado de destino da mercadoria ou serviço, ficando o equivalente à incidência de 2% do imposto para o Estado de origem".
Trata-se de medida que beneficiará mercados consumidores, como o Distrito Federal, sem prejudicar a receita de Estados considerados produtores, como São Paulo. O equilíbrio fiscal será mantido por uma espécie de câmera de compensação entre as unidades federadas.
Importante medida simplificadora do sistema é a criação do IVA-F, o Imposto sobre Valor Adicionado Federal, por meio da consolidação de tributos federais com incidências semelhantes. O IVA-F substituirá a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis), reduzindo a cumulatividade ainda existente nos tributos indiretos.
Percebe-se também a intenção de reduzir, ainda que de forma tímida, os encargos que incidem sobre a folha de salários. A PEC do governo elimina a contribuição social do salário educação, substituindo-a por uma destinação da arrecadação federal, e prevê a redução gradativa da contribuição dos empregadores sobre a folha.
Projeto de lei tratando do assunto será encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo 90 dias após a promulgação da emenda. Pena que, a despeito da evolução representada por essas medidas, a PEC nada faça para reduzir a carga de impostos no Brasil, que segue entre as mais elevadas do mundo -35,21% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2006, segundo cálculo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Isso equivale a transferir todo ano, do setor produtivo para os cofres públicos, algo em torno de R$ 800 bilhões. Trata-se de uma relação perversa e díspar entre o volume de impostos pagos e a qualidade dos serviços públicos prestados à população. Espera-se que, nos próximos dias, o Congresso Nacional dê tratamento prioritário ao tema.
O processo de votação da PEC do governo, ainda em fase inicial, deverá evoluir nos próximos dias para um debate construtivo e produtivo sobre as propostas apresentadas.
É importante vencer mais essa etapa do processo de aperfeiçoamento do sistema de impostos no Brasil.
O próximo passo será encontrar alternativas para ampliar o universo de contribuintes e para reduzir, na medida do possível, a abominável carga tributária.

Da Folha de São Paulo de 19/03/2008
Texto de ADELMIR SANTANA, 62, formado em administração de empresas, é senador da República pelo DEM-DF, vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio e presidente do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae, dos Conselhos Regionais do Sesc e do Senac no DF e da Federação do Comércio do Distrito Federal.

domingo, 16 de março de 2008

Educação

Educação e Bolsa Família

Texto de Antônio Ermírio de Moraes

Os resultados de uma pesquisa recente, publicados pelo Estado, foram muito preocupantes. Eles dizem que os filhos dos que recebem Bolsa Família estão abandonando a escola precocemente ("Abandono escolar cresce entre dependentes do Bolsa Família", 9/3/08). Foi a pior notícia que li nos últimos tempos. Nada é mais urgente neste país do que uma boa educação. O pioneiro Bolsa Escola, criado pelo ex-prefeito de Campinas José Roberto Magalhães Teixeira, na década 90, foi um grande achado, porque introduziu um sistema de reciprocidade que deu como resultado a redução da evasão escolar: a família recebia um reforço de renda com o compromisso de manter seus filhos na escola e com bom aproveitamento. O então governador Cristovam Buarque introduziu o sistema na capital federal, e o presidente Fernando Henrique ampliou-o para todo o Brasil. Foi um sucesso. O programa ganhou a atenção internacional. A reciprocidade era o cerne daquela ação. Na pesquisa apresentada pelo Estado, a taxa de evasão escolar dos que recebem Bolsa Família cresceu entre 2002 e 2005. Em alguns casos, a taxa mais do que dobrou. Isso é grave, muito grave. O que está havendo? Os controles afrouxaram? A reciprocidade acabou? O valor da ajuda se deteriorou? O Bolsa Família paga R$ 58 por família e mais R$ 18 por filhos entre 0 e 15 anos nas situações familiares em que a renda per capita é inferior a R$ 60. Após os 15 anos, o filho deixa de receber a sua parcela. Na referida pesquisa, alguns professores afirmaram que muitos dos seus alunos só estão na escola por causa daquela ajuda. Assim que completam os 15 anos, vão embora. O Ipea indica também que a evasão mais alta é dos adolescentes mais velhos, o que levou o Ministério da Educação a estender o reforço de renda até os 17 anos. Com isso, o pagamento máximo para uma família subirá dos atuais R$ 112 para R$ 172, desde que ela mantenha na escola os seus filhos entre 15 e 17 anos. Se esse é o problema, tudo indica que o Brasil precisará ir aumentando o benefício do Bolsa Família para atingir seus objetivos. De um lado, a referida extensão tranqüiliza, porque manteremos os brasileiros na escola por mais tempo. De outro, preocupa, porque muitos ficarão na escola só para receber essa ajuda. Por isso, precisamos saber qual é o desempenho real dos alunos mais velhos mantidos com o Bolsa Família. Esse dado é essencial para saber o valor do programa nos dias de hoje. mailto:antonio.ermirio@antonioermirio.com.br



O país do faz-de-conta

Texto de Gilberto Dimenstein

É impossível travar um debate sobre o desempenho de um governo se o eleitor não entende porcentagem
A CADA ELEIÇÃO, OS JORNALISTAS tentam descobrir meios para tornar menos chatos os debates técnicos de programas de governo pelo simples e óbvio motivo de que o essencial, na disputa, deveriam ser as propostas dos candidatos. Saímos frustrados dessa batalha editorial porque sempre vence, com ampla diferença, o jogo de marketing, com a manipulação de emoções e as promessas faz-de-conta que desaparecem com a desmontagem dos palanques. Novamente, vamos nos frustrar na escolha dos futuros prefeitos.Uma das razões dessa inevitável frustração apareceu na semana passada, quando foi revelada a trágica falta de capacidade dos brasileiros de lidar com números.
Na quinta-feira, saíram os resultados das provas do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), que revelaram que, na rede estadual de educação de São Paulo, apenas 4,3% dos alunos do terceiro ano do ensino médio apresentaram o conhecimento adequado de matemática -os demais 95,7% foram classificados no nível "abaixo do adequado". Para chegar ao "adequado", o estudante precisaria, por exemplo, fazer cálculos de porcentagem ou selecionar dados de um gráfico. É impossível travar um debate com um mínimo de objetividade sobre o desempenho de um governo se o eleitor não entende nem mesmo o que é uma porcentagem ou um simples gráfico.
Note que estamos falando de uma rede de educação de São Paulo, que está entre os primeiros lugares nos testes nacionais. Considere também que, neste artigo, selecionei apenas os alunos do último ano do ensino básico, um grau de escolaridade de uma minoria dos brasileiros. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, somos 127 milhões de eleitores, dos quais mais do que a metade (64 milhões) não conseguiu o diploma do ensino fundamental; desse total, 8,2 milhões não sabem ler nem escrever. No Nordeste, a média dos que não têm diploma do ensino fundamental sobe para 70%.
A subcidadania matemática do eleitor é visível cotidianamente no consumidor. Grupos financeiros vêm desenvolvendo programas de ensino de matemática para jovens e adultos. A razão é simples, e não é apenas por caridade educacional. Com a maior oferta de crédito popular, muita gente está se afundando em dívidas porque não sabe comparar o valor de cada prestação ao próprio salário. As financeiras querem que o indivíduo compre, mas não que ele quebre e dê o calote, daí seu ímpeto educativo. Se já é difícil para um indivíduo calcular se uma prestação o levará ao buraco, muito mais difícil é a escolha de um candidato ou a avaliação racional de uma gestão administrativa, baseada em indicadores.
O problema não é só votar com menos consciência, mas não saber, depois, fiscalizar os governantes. Isso ajuda a explicar por que escolas numa região tão desenvolvida como São Paulo ensinam tão pouco. Se todos os pais conseguissem entender o que sai dos testes educacionais, eles se indignariam, cobrariam atitudes dos governantes e se vingariam nas urnas -e seus filhos saberiam fazer contas, seriam melhores eleitores e não se deixariam enganar tão facilmente pelas baboseiras dos candidatos. A frustração dos jornalistas, então, seria amenizada porque eleitores atentos são bons leitores, e os programas dos candidatos não seriam de faz-de-conta.
Está aí o custo daquela brincadeira de que, no Brasil, o aluno faz de conta que aprende e a escola faz de conta que ensina -o resultado final é a cidadania do faz-de-conta.
PS - Há, no entanto, pelo menos dois motivos para comemorar :
1) Graças à linguagem simplificada, é possível saber como anda cada escola e compará-la às demais, estabelecendo um ranking, o que facilita a pressão. Vemos que, em lugares onde os professores estão mais comprometidos (faltam menos), são mais bem preparados, sabem usar o cotidiano para ilustrar as aulas e aproximam-se da comunidade, os resultados aparecem.
2) O teste vai servir para romper o pacto de mediocridade e premiar todos os funcionários da escola, com base, principalmente, no sucesso dos alunos. A implantação do prêmio por mérito faz sentido, porque os professores receberam, neste ano, materiais que estabelecem a expectativa de aprendizagem para cada série. Por causa desses dois motivos de comemoração e pela importância da rede pública de São Paulo, não tenho dúvidas em afirmar que estamos diante do mais importante projeto de renovação da educação brasileira.
gdimen@uol.com.br

Textos copiados da Folha de São Paulo de 16/03/2008